A vida lhe entregara um presente
Além da própria vida presente
Como resposta à sua presença.
Florindo leveza de flores
Cores e penas de pássaro.
Foi retribuição
que lhe soprou ao ouvido
prestar-lhe serviço.
Quando se fala dos tempos,
do choro da Terra e de sua luz
alerta a luz que está para todos
Leciona em grande lição
Suspiro de perdão
...
Havia perdoado um abraço antes de dormir
Havia sonhado com flores
E logo de início o dia anunciava sutileza
Em meio aos carros, avenida
Um cantar de grilo
que poucos, ou ninguém ouviu.
E soube.
Há de se ter olhos para ouvir sutilezas
Que as vibrações positivas
são menos brutas que as batidas
fortes e agressivas do dia-a-dia
Percebera
que é nas sutilezas
que se escondem as verdades do mundo.
Levava no ventre
o amor que coletara no vento
e as pequenas sutilezas
que encontrou pelo caminho
para mostrar às suas crianças.
Decidira lhes mostrar sobre o orgânico
e sobre o mundo dos homens
Decidira lhes falar de alma
Decidira ser porta-voz da beleza das coisas de luz
Decidira-se.
Sentiu existência tomando conta
adentrando cada poro da pele marcada
cada esquina escura de profundidade
E os olhos que sempre manifestam
encheram-se d´água, mas com alegria esta vez
Transbordava.
Veio-lhe prosear um senhor de idade
Pensou as estações da vida
Ele falava saúde
Solicitava olhos carinhosos e ouvidos atentos
Soube ser prestativa.
Pensou naquela carta
Rito de passagem
Pensou em tudo, mas por sensação
Refletiu corpo e alimento
Pensamento e vibração
Sentiu gratidão
E agradeceu todos que vieram auxílio
Porque nunca havia gritado tão real e tão forte
Lembrara da voz no mundo
E de dizer palavras doces
Pensou nele, pensou nela
Pensou neles, pensou nós
A roda ciranda girando
Somos todos crianças
Pensou prosseguir palavras,
poéticas e sobretudo transmutar
Sentiu-se mais perto um longo passo
porque fora verdadeira.
Pensou humildade e troca
E pensou silêncio.
Digo que pensou tantas coisas
Mas por um segundo
que lhe invadiu como enchente
Pensou resumir mas não sabia parar
Até que uma formiga lhe mordeu o dedo
Riu-se
E lembrou de ouvir o canto do bem-te-vi e outros seres
Já ganhara o dia, talvez uma vida toda nos pulmões
Mas prenunciava recomeços, viagens e desafios
Estava pronta.
30.4.09
ilumina
26.4.09
Remendo com não-palavras
que poesia é mais vida que palavra
porque tem vontade própria.
Do que passou
desata todos nós
redime a todos nós
em diluição
porque também passaremos.
Lealdade é como respeitar
a transparência do que aparenta
e sempre estar
atento, meditativo.
De forma que para enxergar o outro
há de se apagar os olhos de si.
Caso contrário, escorre
o espelho se torna vazio de imagem
e passa a rugir vaidade traiçoeira.
Como a que seduz Narciso
às águas fundas de um rio sagrado.
Caso contrário,
o que é possível encontro
se torna repetição de qualquer coisa já vivida
e não-presente, refletido em vão.
...
Que mal nenhum me tome os olhos de certeza.
Para assim, livre de qualquer desvio
superar firme a armadilha da clareza.
Porque não me é permtido
dizer além do que o ouvido pode ouvir.
Coisas assim não devem jamais cair
nas correntes tortas de vento sul.
Não é de bom tom
tocar pontos que fogem ao alcance
que escapam de escolha
e que tocam outros pontos.
E não convém sair de si por atalhos tortuosos.
Ainda que necessário seja
protejer-se à luz do sol .
Somente aceito, porque sou feita de sonhos.
A única ilusão que não cabe nos sonhos
dos que recordam-se sonhadores
é escapar a ilusão.
E conheço a estrada
nos lampejos raios de luz trovãoque cortam os céus,
isso não me isenta porém,
de tropeçar os pés
nas sempre pedras do caminho.
23.4.09
do que há de mais triste
não escorre dos olhos
mas do meio do rosto
Não te fere mais, garota.
Dá azar
se olhar nos olhos e ressentir
Cadê o brilho que cantava ainda ontem?
Quanto maior a onda,
mais fundo o sulco que segue
E dispenso agradecida
qualquer diagnóstico
O tempo é para todos
O tempo desfaz
Sempre põem a culpa no tempo
Mal do século
Mas dessa vez
Mais essa vez
Perdoa, vai.
Sinto o peso das coisas que entristecem
Alheias, entulhos e restos
Umas vontades que me alertam enganos e amarras
Armadilhas disfarçadas de sorrisos
E qualquer coisa me invade...
Não me olhe, não me atravesse
Tenho espinhos na alma
Visto aquela carapuça de animal ferido
E arranco de uma vez
A parte que não mais me cabe
e sangro
Dá um pouco de vergonha ser assim
Tão humana, imperfeita, cheia de dores
Tenho as mãos sujas do mau uso
De todas as coisas que me escapam
Quase adoeci do corpo pela via do que não foi
Dá vontade de esconder
Mas parece que cantar lamento
faz ir embora logo
Não se precipite, não se iluda
as coisas hão de chegar a tempo.
Nessas horas
ponho as feridas na barra da saia
e cuido
Trabalho longo repetir em mantra
todas as verdades adquiridas, e crer:
“Isto também passará”
Urgência de limpeza
Além da superfície
coisa forte,
coisa morte,
coisa funda essa vez
Acho que não sai com água.
19.4.09
De volta à estaca zero.
provavelmente não lá muito feliz:
"Alegria é a prova dos nove"
Nove com zero continua nove.
E que não compensa somar em vão.
Existe um algo que é real
E que seguro na mão,
no escuro
Como amuleto na pele
O que permanece é real.
E que para tal,
se forma invisível e lento
mas tão rarefeito,
que se perderia para sempre
em meio à tantas palavras.
Então eu me calo e desaguo
no todo frágil da incerteza,
na solitude incômoda do vazio
Nada quero e tudo quero.
De fato, me ponho somente a observar.
Temo que o tempo é quem vai comigo.
12.4.09
crua
Te sonhei flutuando noite passada.
Prédio abandonado escuro,
e eu espiava.
E sabe do que mais?
Te via bem de longe,
e você me desapontava.
Uma vez mais.
Nada que ver com essa fraqueza
descabida de outros carnavais.
E já prevista pela repetição
Isso tudo é processo.
Vejo a beleza mais certa no escuro.
Nem me importo mais em dividir!
Acho que é o não querer saber,
porque eu sim quero.
Lhe ofertei uma bandeja recoberta de verde
e toda uma vida do que disponho.
Fiz naquela visão uma escolha,
e tantas vezes até aprender, eu disse sim.
E direi sempre que vier a mim.
Coisa que me é mais difícil.
A não-escolha é uma escolha.
E se assim for, te encontro lá no fundo.
Acabar nunca acaba,
mas não espero nem mais um minuto
porque amanhã nunca chega.
Então vou indo em frente
e se mudar de idéia
aperta o passo.
3.4.09
tempo suspenso na lente vazia
...até que o objeto-ser que é posto à luz,
abstraia o olhar que incide sobre si
e mergulhe no seu próprio vazio interno?
fórum
Eu acredito sobretudo no abstrato.
Em que
o além das coisas,
além dos olhos,
além visível,
O improvável
distancia lento do que é sólido
no processo de abstração.
A realidade,
limitação física
e perceptiva
nos mantém coesos.
Nossas limitações.
Que o resto é tão amplo
que dissipa, evapora.
Queira desculpar-me a insignificância
Que de tanto querer absurdo e ínfimo
me recolho ao possível
e retorno ao orgânico,
humano e pessoal,
íntimo compartilhado.
Uma proximidade de corpos
convivendo em harmonia.
Vibrando pulsando
Órgão
Organismo
Único.
Acordar com o sol
Dormir com a noite
Carregar apenas
a medida da força de meus braços
Não medir abraços
Que sejam longos
caminhos de terra
Lamber feridas
Reiteirar excessos e desvios
Adoçar palavras debaixo da língua
Três.
Te encontro depois da chuva.
Sim, é possível, eu disse
Oitenta e quatro mil portas
Além das quatro faces
Mundos possíveis
Outros.