20.11.09

não-materialidade




É que existe um ponto a partir do qual
a coisa não mais regenera.

E não há lagrima que se derrame
que remende o fio do pulso,
que acerte o ponteiro das horas,
que recolha do chão o leite do jarro.

Não há palavra que se diga doce,
que retire todas as outras cuspidas.

Não há saída
uma vez que a vida se enterra.

Nunca vi coisa pra ser tão certa
quanto essas que me anunciam.
A ferida de terra aberta, pulsa.
A cada sopro, cada batida,
menos vida há que se siga.
Pulsa o alento que não recupera.

Não há espaço pra desperdício.
E como fato,
me rompeu o fio da pulseira.

A ilusão dissolve e desaparece,
e tudo é ilusório e passageiro.

[...]
Agente esquece o quanto é frágil o equilíbrio das coisas.
Como se abre um círculo de luz em volta da vida
que permite e que protege tudo aquilo
que demanda energia para se manifestar,
para que se manifeste em beleza.
Como a proteção do útero à criança que se gera.
E que este milagre da existência simples das coisas
pede de nós somente as preces pela potência oportuna,
porque da gratidão se alimenta e faz luz para dissipar a sombra,
abre espaço perante toda potência de não-ser das coisas que são.
Agente esquece do vazio.
[...]


Abriu uma porta que agora se fecha.

ilusão



Seu pequeno corpo caiu,
fez ruído no asfalto.
E fez-se ouvir mesmo com todos os outros barulhos
de uma avenida movimentada ao fim do dia.

E o sol se punha, fim.
Suas asas se cansaram
de lutar contra o vento das circunstâncias.

É real, foi real.
E o cansaço ao fim do dia
é mais do que real,
se pensarmos na quantidade
de pensamentos semelhantes.

Finda o dia,
e sempre retorna eterno.
À mercê dos sopros outros.
À vontade da roda que gira.

Um pequeno ser como este
não faz estardalhaço ao morrer,
e deixa esta existência
quase sem ser notado.
Passa longe dos jornais
e da atenção simples das pessoas.
Já é tanta disposta nos letreiros.
Quem haveria de prestar ouvidos?

É simples:
Tudo morre,
basta estar vivo.

Uma folha que cai da árvore.
Uma árvore numa floresta.
Uma floresta no mundo
e por sua vez no infinito.
Universo.

Não fosse um olhar desconectado.
Não fosse a grandeza de servir lição
Meus guias, meus mestres, professores...
Eu ouço a voz da Terra.
Especialmente ao fim do dia.
E pelos últimos raios de sol reluzindo,
uma libélula em seu último sopro me disse:

O que morre é a ilusão.