10.2.10

urgente

Estava aos afazeres menos urgentes
Quando lhe interrompeu um acesso de urgência
Que a fez saltar da cadeira tremendo
Como se lhe escapasse, como vontade alheia, mas por dentro
Era preciso, era preciso e imediato.
Era preciso sair.

Havia se iludido, foi como despertar em um salto
Havia perdido tempo e energia.
Não se sabia e se perdera
Recolheu de uma só vez os pertences espalhados no recinto.
Fechou portas, janelas e apagou as luzes
Imaginou alguém batendo à porta.
Como um espasmo de loucura.
Era a loucura e tinha nome.
Como segundo último de fôlego, desespero
Como mar revolto e afogamento
Como se todas as falhas a perseguissem
Como o temor da consequência do que não sabia ter cometido.
Estranhou, como se lhe rissem às costas
Não compreendia, era maior.
Quis sumir, olhava os dedos e o rosto no vidro
tornavam-se pálidos como se desintegrassem,
sentia que lhe esqueciam, e partiam todos,
era chamado, era despedida.

Nada mais havia que lhe prendesse,
era urgente, era urgente, era urgente…

Quis empacotar todos os livros e pedras, roupas e lençóis
Quis um novo mundo inteiro a percorrer e uma mochila.
Quis inventar um novo nome, um novo rosto.
Quis o vazio por fora, que era por dentro que o sentia.
Quis nascer de novo, pois morria.

Não podia compreender,
era urgente, era urgente, era urgente.

Olhou para trás trancando ali dentro esses rostos
Encerrou, trancou a porta.
Abriu os olhos e todas as luzes estavam apagadas,
nenhum rosto, nenhum sopro
Cruzou o pátio com passos largos.
Podia ouvir seus próprios passos.
Era noite e quando saiu à porta do prédio,
sentiu cheiro de flores.
Respirou. E nada havia que justificasse.

Agora haveria de fazer escolhas.