3.5.10

Existência




Quando a luz decompõe,
espalha em prisma na terra
através da água cristalina.
Atravessa

Sete cores
Sete notas musicais
Sete camadas
Sete ondas
Em vibração
Como sete degraus

Da luz nasce um portal
Arco-íris convida
Purifica
Transmuta e renasce.

Tudo retorna à origem
O eterno retorno dos sábios
É fluxo pulsante
Pulso pulmão dos povos
Entre ser e não-ser
e não ou
Cheio e vazio
Tudo e nada

Mistérios insondáveis

Justo onde formam as ondas
Linha, pauta, escala de sons
Padrões geométricos como astros e órbitas
Espirais e círculos e círculos
Ecos expansivos de possibilidades
Nas quais transitamos por escolha
Entre encontros e desencontros
Espelhos de nós mesmos
Interna como externamente
Microcosmos, macrocosmos


Ondas de rádio embora invisíveis são notórias por realidade
E eis que tornar visível depende da luz que revela as coisas
É como decodificar
Através das cores
Absorve ou reflete
Luz

Prece



Que se faça a sinceridade e a simplicidade em cada sorriso
Como porta-voz de nossos silêncios
E silenciem todas as dúvidas que ressoam tempo em tempo,
Mas que a incerteza seja sempre a porta aberta para o inesperado
e o futuro, como possível ilimitado.

Bem-vindas sejam as pedras que edificam os caminhos,
internos e externos,
e que, dissipando as ilusões da dualidade, se integrem em potência

Que o verde que nos cerca, a água pura que nos banha,
que a terra sob nossos pés e o alimento pelo qual agradecemos
sejam abençoados e possam ser partilhados de forma justa.

Que se leve disto tudo,
que cala e aflige
do que ensina e brilha os olhos,
apenas a compreensão e o amor
que se manifestam como onda expansiva
para além das barreiras do ego.

Com humildade, que o propósito devido
Ainda que misterioso
Se faça através do existir e ao redor

E que se saiba permitir e aceitar com plenitude
Os destinos e rumos de nossas escolhas
Assim como a orientação de nossos guias mais genuínos

Sem a pretensão que não cabe
Mas por não saber da prece mais precisa
Que seja simplesmente como é e deve ser
Na sua mais perfeita ordem natural
Ainda que nos escape em dimensão

E como mais poderia?

Corrente para o bem
e para a luz.
Que assim seja.
Seja É.

Amor




Foi o amor que me trouxe até aqui.

E por ironia,
foi pelo amor primeiro
foi pelo amor homem-mulher
que senti primeiro o que viria a ser princípio.
(Há para quem seja desvio.)
Do amor próprio, da compaixão
da compreensão, do compartilhar
do se conhecer e do querer bem.

Porque nunca houvera amado e não podia saber.
Havia muitas partes e muitas portas e muitos detalhes nesse sentir
Haviam partes feias de precisar, e de não bastar
Mas havia o sentir o mundo mais colorido de querer ser melhor

E quando ele se foi,
porque precisava e porque tudo passa,
depois de tudo que era ausência,
algo reluziu ali,
se fazendo ver que permanecera.

Era semente.
A semente de compreensão
de um amar verbo infinitivo
que transcende.

Um amor que nutria sem objeto.

Como o que há por trás das cortinas
do aprender do amor entre os seres.

Eu era digna de ser amada.
Eu era um nome
que alguém havia pronunciado com amor.
E que ainda antes, alguém havia escolhido com amor.
Para que alguém pronunciasse com amor.

Eu era.

E consolidava saber que ainda antes,
outros tantos amaram e foram amados
e fizeram tempo
antes mesmo que o amor se fizesse
em letra e palavra
E antes mesmo que algum ser de luz, falasse
e que algum poeta escrevesse
e outros tantos
até que se esquecesse o sentido,
e restasse só a palavra, encardida, e piegas.

E antes mesmo que todo amar que não tivesse objeto,
virasse arte.
Como amor que, sem direção, espalha.

Então hoje ainda se podem amar homens, pessoas,
seres, coisas, tempos, sonhos e idéias.

E em ocasões iluminadas, o amor simplesmente acontece
Sem objeto, ao próximo mais próximo, a si, ao todo...
Sempre que transbordamos de lembrar

Somos gotas de amor manifesto.

Travessia




Deixou a cidade
atravessando a barreira de nuvens
que atravessava a cidade,
que por sua vez lhe atravessava como flecha
em ruídos e vibrações insutis, estrondosas e cinzas.
E a água da chuva atravessada pela luz,
fez prisma de cores no céu, em arco-íris.

Sol e chuva.
Chuva e sol.

Atravessou esse portal
de energia cruzada em paradoxo.

O arco-íris faz ponte entre céu e terra
Como luz e sombra,
ruído e silêncio,
montanha e vale.

Entrecruzamentos.
Tanto que surge da dualidade
da magia na encruzilhada,
do caminho do meio
e do caos criador...
Como potência da magia do entre.

E do meio de seus devaneios sincréticos, perguntaram-lhe:
Indo para casa?

Então soube.
- Sim.

“Não há lugar como nosso lar”
E não há lugar no mundo.
Há um estado de ser,
um estado de É


O que é real é onde o coração repousa.

limpeza




Hoje varri embaixo da cama.

Diz a vieja bruja:
“Sem limpeza não há magia.”

E sai voando em sua vassoura...

Tanta coisa, tanto troço, tanta sujeira
E tanta tanta tanta poeira...
Que espirrava e nunca o bastante.

De sutil, acho que tantos outros acúmulos
de vazios e enganos.
Estou varrendo até você,
o que restou nos cantos e quinas.
Estou varrendo até meus pés e mãos,
entoando dizeres de vida nova pela frente
Depois de varrer, de lavar, de limpar
Abrir bem as janelas
Para entrar o sol
Para entrar a luz
Para entrar o novo

Bom dia, Sol.

Blackout




Vinha tão baixa
que todas as luzes se apagaram.
A rua dos postes escureceu,
como a lhe fazer passagem.
Ou encobrir-lhe de seus próprios fantasmas

Um pique de luz.

E a rua era sem saída.

Chegou.

Havia sido importante
sair nos últimos raios de sol.
Porque assim pudera ver com clareza o fim.
Que era o fim do dia, de um dia.
Do que um dia fora...
E que havia outros tantos, porvir.

Mas que a noite viria densa, longa e escura
antes do próximo alvorecer.

A luz elétrica anunciava.
Mais uma passagem.

em nome



Se crês na magia e no invisível,
como ousa gritar-me ao pé do ouvido
palavras amargas e cargas ancestrais
de fendas femininas
de chagas e fogueiras
à força bruta?

Em meu nome
e em nome do sangue me correndo às veias
da água escorrendo a montanha,
do vento levando os fonemas,
os sons e ecos lançados.

A palavra proferida não retorna.
Se transmuta em vibração
invisível no mundo ilusão.

E distancia,
não enxerga.

É buraco fundo.
É o fim de tudo.
Tudo já foi dito,
tanto já me dei,
tanto que já disse...

Agora quero estar muda.
E surda e cega aos teus apelos.
Tudo em vão.

Porque me escapa e esvazia.
Leva tudo o que quiser,
mas me deixa.
Me deixa seguir sozinha.

E desvia os olhos do meu caminho

Se não é teu anseio e não faz jus com o meu,
se não acredita e não enxerga,
não mais peça
para se fazer ver pelos meus olhos.
E não me culpe pela imagem escura que cativas.
Me respeita as lacunas e as recaídas.
E se afasta.

Cada investida é uma enxada arrancada de terra
e uma profunda construção abandonada à espera,
do fim.