30.7.08

De sol interior

Lembrei de olhar fundo
No profundo espelho dos olhos
Espelhando um segundo
Como um reflexo rosto
Fluida e transparente
A face da voz que ouço

Escolho à vistas curtas
E com ouvidos atentos
As vozes de acompanhar
As vozes de canto canções
As de oráculo espelho
Sincronicidades.
Repetições

São guias silenciosos
Luzes na trilha paisagem
Há que saber ouvir e cantar
Para dar continuidade
À tal sutileza linguagem

Então as visões continuam
Pela noite escura da alma
Entre lampejos sutis
De brilho a retina marcada
Sem deixar pegadas para trás
Seguindo a estrada molhada

É ciclo maior que encerra
De água voltando pra terra
Primeiro o ciclo alvorada
Seguindo a noite escurece
E depois da lua cheia
Em pouco o céu ilumina
À face que assiste e espera
E o mundo enfim amanhece
Um belo nascer do sol

27.7.08

menino

Aquele menino moleque do verde
Viu em mim à quem perguntar
Como nunca antes tivesse
Com paciência quem devolvesse
A curiosidade brilhante do olhar

E devorava respostas com sede infinita
De quem esperou
E perguntou tantas vezes
Ao vento e ao verde
Sobre a vida e sobre o mundo
E sobre as coisas da vida e do mundo
Tudo ao redor

Sem ter quem lhe ouvisse
Em silêncio e segredo me disse
Tinha medo do escuro
Mal sabia, o menino
Ter medo do escuro é a forma mais pura
De temer o desconhecido
Mal sabia.
Esse medo, de um jeito ou de outro
Todo mundo tinha.

Queria saber tudo
Do mais singelo ao mais absoluto
Olhava e perguntava
Perguntou sobre a terra,
A fumaça dos homens,
O cristal que carregava.

Perguntou se o mundo acabava
Como fazia o fogo
E a água de onde vinha
O que eram objetos coisas
E para que serviam

Quis dizer tantas coisas
Que quando criança eu gostaria
Que me tivessem dito
E quis falar em poesia

Às vezes lhe refletia a pergunta
E ele era quem respondia
Falava diferente e tinha ainda nos olhos
Brilho de criança que crescia
Entre árvore, céu, rio e chão de barro molhado
De chinelo de dedo
Fruta do pé. Pé na terra
Correr e cair. Joelho ralado
Vaca, pasto verde e leite queimado.

Aqui o tempo passa diferente
O tempo é da terra e do sol
Dá água e do vento
Noites, as de lua cheia
Quando o céu fica claro
Quase que nem dia

Menino perguntador
Mal saiba
Ensinando também eu aprendia.

mergulho

Copas. Taças.
Recipientes para conter água
Elemento relativo ao que é fluido
Rio para fluxo
Ponte travessia
E as visões
Olhos abertos ou fechados
Avulsas, súbitas, longas
Repetidas, sucessivas, luminosas
Nitidez em espelho de água
Um mergulho fundo no abstrato
Onde não há luz suficiente
Para enxergar com palavras

17.7.08

...

As reticências são os vazios da linguagem.
O entre inspirar e expirar.
Espaço do não-dito.
Feito do mesmo material
Do que existe por detrás de todas as máscaras.
Do mesmo material de que são feitos os sonhos.
Anterior a tudo existia o silêncio.
O vazio é potencial de vir a ser.

13.7.08

beira




Cheguei à beira
Que queria ouvir a voz do mar
Como um canto familiar
Mensagem transmitida por geração
Pelo passar do tempo
Como som tambor que é vibração
E toca o corpo, reverbera na alma
Uma espiral de vozes e cores
Reconhece
E passa adiante

Quantas vezes algo precisa ser dito
até que possa ser compreendido?

E passava pelo passar
De pessoas sendo enquanto
Caminhando paralelas
Sem encontrar

O que é encontro?
E o que reconhece?
Não é pelo encontro real
que caminha?

Quantas vezes algo precisa ser dito
até que possa ser compreendido?

Fui buscar
Que esse querer constante
Queria um novo brilho de cristal
Achava que traria de volta
A transparência das coisas vivas
E do olhar consciente
Aquele que atravessa
Queria algo que reconhecesse
E fizesse lembrar

Quantas vezes algo precisa ser dito
até que possa ser compreendido?

Lembrei
Das vezes que ouvi o vento
Sussurrando no ouvido
Cantigas ancestrais
O sentido perdido de ser
E cantei sozinha
Pelo sentido do canto
Pela janela da vida afora

Quantas vezes algo precisa ser dito
até que possa ser compreendido?

O sentido do canto
É dar continuidade
E é preencher os pulmões
De sentido e canção
E força pra continuar
Buscando encontros
E canções e sentidos.

10.7.08

estrada

Um anseio de
vento no rosto.
E frio na barriga.
Vontade de desbravar
novos caminhos de terra.
Ser rio longo
reluzindo brilhos
de verde infinito.
E desaparecer
num piscar de luzes
Universo adentro
pela pupila do ser!

7.7.08

encontro real

O exercício da relação com o outro
conduz à um processo semelhante ao ato de deparar-se com um espelho. Não como uma relação narcisista da forma, mas de modo a relacionar-se com a propriedade reflexiva.

Nos defronta não somente com os aspectos que distinguem-nos, induzindo ao julgamento, mas aponta simultaneamente para as interseções que conectam e acolhem todos os seres viventes como parte de uma mesma estrutura.

Refletir é um dos aspectos essenciais da propriedade de ação e reação, onde cada ato produz uma conseqüência subseqüente, ou mesmo seu próprio fundamento ou princípio.

Imensamente rico, o encontro de duas pessoas reflexivas, ocasionando fenômeno idêntico à experiência de posicionar um espelho defronte à outro.
Reconhecimento recíproco.

Infinito.

6.7.08

rugas

O rosto assume o formato dos pensamentos.

De forma que os pensamentos
que transcorrem nossa mente
causam expressões.
Expressões repetidas moldam a face.
Sem se dar conta da repetição,
as pessoas mantém idéias de si e do mundo

Você é o que você pensa.
Caso contrário, se torna.

Inverso

Tenho estado dormindo
Sob camadas sobrepostas
De roupas que não me vestem
Coisas que já não me servem
Idéias não cabem mais

Despindo uma por uma
Processo interminável
Desconstrução diária
E muitas vidas para trás

Alonga porque se perde
Desde muito cedo
Que não pude olhar no espelho
E dizer sincera
Do medo que tenho
E quanto tempo faz.

Que não olho para o mar
Com olhos de criança...

Hoje olhei o passado
Que atrativo haveria
Em solo infértil?
E que sentido seria
Do futuro
Sem o passado?

Inverso.

Ambos não existem mais
Um já foi o outro já vai.

5.7.08

semente

Que lhe posso oferecer?
Além de sonhos em flor
Do agora, uma semente
Um sentido de luz pelo qual se guiar
Que o sentido das coisas que são
Não se tornem rumo das que não
Uma porta e só

Cada degrau
Por mim antes
Além de ti
O outro só
É espelho
Mas virou rio

3.7.08

Lê-me

Que leia o que escrevo
Na vida e pro mundo
Com as mãos e o punho
No pulso esquerdo
Com o corpo inteiro
Com os olhos da alma
No escuro, em movimento
Por fora e por dentro
O que manifesta
e o que cala

2.7.08

presente

Nesses momentos tenho vontade de percorrer o mundo todo
numa batida de coração pulsando, pulando pra fora do peito.
Querendo tudo num só fôlego, afobação de criança que não sabe esperar,porque não sabe o que tanto se espera.
Acho que é confiança. E vontade de saltar.
Acho que é impulso, como um vento forte que passa.
Acho que é o presente como um presente deixado na porta.